Dave Grohl é o único músico de rock que entendeu o paranauê da nova ordem mundial pós-CD, pós-MTV (e pós-todas as TVs) e, com o Spotify, pós-mp3. O homem fez do Foo Fighters, goste você ou não da banda, uma das marcas que melhor trabalha a categoria entretenimento.
Vai completar um ano que, ao invés de lançar um álbum ou videoclipes no YouTube, Dave lançou “Sonic Highways”, documentário que ele criou, produziu e dirigiu sobre oito cidades fundamentais para a música americana (veja o trailer abaixo). A cada episódio, após entrevistar os ícones por trás do movimento musical de cada lugar, ele criava as letras do um álbum temático.
Musicalmente, talvez que seja o disco menos brilhante do grupo. Exceto por um detalhe: não é um disco. É um puta conteúdo para TV on demand, com uma trilha sonora e uma série de eventos. E ao iniciar esses eventos, o que antigamente era só uma turnê, Dave Grohl largou transformando gesso em ouro.
Ao quebrar a perna num show recentemente, usou o acidente numa ação de PR. Voltou ao palco para tocar, o que o transformou num herói do rock nas redes sociais. A seguir, decidiu tocar nos outros shows sentado e com uma bota ortopédica. Mais do que isso: numa poltrona inspirada em “Game of Thrones” – coincidência ou não, outra série da HBO, dona dos direitos de “Sonic Highways” – e se conectou com também com os fãs de Jon Snow e a dragãozada (relembre aqui).
A turnê de “Sonic Higways” passou a se chamar “Broken Leg Tour”, com direito a pôsteres e camisetas com a radiografia da perna do cara – que chegou em Chicago esta semana com outra ação inesperada: a banda abriu uma pop-up store numa das principais ruas da cidade. A maioria do merchandising é customizado para Chicago e exclusivo da lojinha, e não estará disponível nem no show que a banda fará aqui no centenário Wrigley Field, o Maracanã do baseball.
A experiência de marca promovida pelo FF é bem planejada. Boa parte do merchandising, que vai de roupas de bebê a toalhas e utensílios para o lar, faz referência ao Chicago Cubs, time dono do Wrigley Field e do coração da cidade. Tudo é azul e vermelho, ou leva o ursinho mascote do clube. Até camisas de baseball com o nome dos músicos da banda foram produzidas.
Para os “vinilófilos”, uma série limitada do álbum “Sonic Highways” foi editada com a cidade de Chicago na capa. A banda, ao invés de se conectar com o mundo, se conectou com as comunidades.
O resultado de tudo isso você já deve ter visto. Outro dia, mil fãs numa cidadezinha da Itália se reuniram para tocar uma música do Foo Fighters e implorar um show da banda por lá (relembre aqui, e veja a resposta de Dave Grohl aqui). “Usergeneratedcontent”, diria algum planejamento. E que só foi feita porque os fãs sabem: ninguém interage com eles como Mr. Grohl faz.
O Foo Fighters tem um pensamento integrado que, se já é raro em grandes marcas, não se vê em quase nenhum outro músico. Mas se marcas e artistas não pensarem o mundo como Dave Grohl, eles é que vão acabar engessados.
Nota do editor: além de VP e diretor de criação da Leo Burnett USA/Lapiz em Chicago, Fabio Seidl baixista e vocalista da banda Ack. 🙂
*fotos clicadas por Fabio Seidl