Houve, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 50 mil casos de estupro registrados no país em um ano. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os dados oficiais representam 10% dos casos ocorridos no mesmo período. Ou seja: 90% das violências sexuais são silenciadas pelas vítimas. Por essa estimativa, são mais de 500 mil casos de estupro em 365 dias. No nosso país, acontece um estupro por minuto.
54% das mulheres estupradas no Brasil são negras e pardas. Em 70% dos casos, as vítimas tinham menos de 18 anos. São aproximadamente 350 mil crianças e adolescentes por ano. Mais da metade dos estupradores são conhecidos da vítima, entre parentes, colegas, cônjuges e amigos: 71,8% dos estupros acontecem no ambiente doméstico, 15,6% em vias públicas.
15% dos estupros no Brasil são coletivos (cometidos por duas ou mais pessoas). No Brasil, 14% das mulheres vão ser violentadas sexualmente por seus parceiros ao longo de um ano. Uma média de cinco mil mulheres por ano são mortas por seus parceiros ou ex-parceiros no Brasil. 61% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres negras.
78% dos brasileiros acham que o que acontece entre um casal, em casa, não interessa aos outros. 63% dos brasileiros pensam que casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família. 59% dos brasileiros concordam que existe “mulher para casar” e “mulher para a cama”. 58% acreditam que, se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.
Por quê? Quem ou o que permite que isso continue? Qual é o discurso que legitima que o estupro aconteça tanto e tão silenciosamente? A Cultura do Estupro é a lógica dominante, perpetuada por um imaginário e por ações das mais cotidianas. Quantas coisas uma mulher passa ao longo de um dia que são da mesma natureza do estupro, ainda que em menor grau?
Escrevi, em 2013, a peça “Alteridade”. O texto, um conto poético-dramático, é a voz de uma mulher estuprada e sua trajetória de restabelecimento. Parte minha pesquisa estética em busca de uma poética de pulsão feminina. Por “feminina” não quero dizer “relativo necessariamente à mulher”, mas, como disse Christa Wolf, “as palavras que não se detenham diante do ritual dominador, que não se detenham diante de nada, que sejam indomáveis, selvagens. (…) um outro tipo de lógica (que mal conhece a lógica patriarcal do se/logo, supondo que/consequentemente, se isso/também aquilo, um outro jeito de fazer perguntas (que não seja a assassina: quem, a quem?)”.
Luaa Gabanini, membro-fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, dirigiu o espetáculo com sabedoria e bastante sensibilidade. A montagem é feita de workshops, que dão o tom “político-teatral-performático” da poesia. Brincamos de nomear este período de “abertura de pesquisa”, ao invés de estreia ou temporada, porque queremos nos manter em busca – a dramaturga, as atrizes, a diretora, a equipe, nós – da nossa Alteridade.
Esse é o primeiro espetáculo do grupo Companhia e Fúria. Nós pesquisamos juntas desde 2012 e é uma realização muito prazerosa. É bom estar entre iguais. É bom encontrar-se uma na outra. E o que significa o arquétipo da “Alteridade”? O que ele tem a ver com a Cultura do Estupro?
Venha ver a peça! Venha conversar com a gente. Acima de tudo, venha buscar a sua Alteridade conosco.
Serviço:
“Alteridade”: Entre a poesia, a narração e o teatro, a peça conta uma dor que gerou liberdade. A voz de uma mulher estuprada. A mulher, personagem que narra a sua própria história, busca se restabelecer e construir um mundo em que possa existir plenamente de novo.
Em cartaz: De 5 a 27 de setembro
Local: Teatro Escola Célia Helena – R. Barão de Iguape, 113 – Liberdade – São Paulo
Horários: sábados às 21h e domingo as 20hrs (ingressos na bilheteria 1 hora antes)
Valor: Pague o quanto puder
Duração: 50 minutos
Mais informações: Facebook, Instagram e (11) 97710-6566/ (11) 99999-3430
Ficha técnica:
Direção: Luaa Gabanini
Dramaturgia: Maria Giulia Pinheiro
Elenco / Companhia e Fúria: Beatriz de Miranda Kovacsik, Giulia Fontes, Luisa Hokema e Maria Giulia Pinheiro
Direção musical: Viviane Barbosa
Direção de arte: Sinhá e Luaa Gabanini
Direção de vídeo-cenário: Vic Von Poser
Concepção de luz: Juliana Tedeschi e Luaa Gabanini
Assistência de direção: Isabel Oliveira e Letícia Rodrigues
Provocador: Eugênio Lima
Treinamento de spoken word: Roberta Estrela D’alva
Produção: Companhia e Fúria
Apoio: Escola Superior de Artes Célia Helena