Finalizando o mês do Setembro Amarelo, quero trazer um pouco de história sobre o país de origem da minha família.
Muitos me perguntam se eu moraria na Coreia do Sul. A Samsung, Hyundai, BTS com Kpop, cosméticos coreanos e invadindo as casas de todos globalmente, faz as pessoas me questionarem bastante e eu respondo sempre: não. A Coreia do Sul é um país lindo, desenvolvido e riquíssimo culturalmente, onde tive o privilégio de morar quase um ano em um intercâmbio. Eu fiquei muito intrigada sobre como um país de cerca de 50 milhões de habitantes conseguiu atingir este nível de prosperidade econômica, em menos de 50 anos. Fiz cursos de política econômica sul-coreana na Universidade Yonsei de Seul e entendi um pouco do preço deste rápido desenvolvimento econômico a sociedade do país.
Em um cenário pós-guerra entre as Coreias na década de 1950, a Coreia do Sul estava arrasada fisicamente e financeiramente. Sem recursos naturais, o governo autoritário de Park Chun-Hee (1961-1979) priorizou a indústria de exportações de produtos e serviços de alta tecnologia, fornecendo subsídios a conglomerados familiares chamados chaebols. O sucesso econômico da Coreia do Sul foi movido por um modelo de desenvolvimento guiado pelo Estado, baseado em diretrizes e regulações providas do governo e não em um sistema de livre mercado.
Resumo do Google sobre os chaebols: conglomerados sul-coreanos familiares conhecidos globalmente como Samsung, LG, Hyundai, Lotte, Korean Air e poucos mais.
Praticamente todos os recursos financeiros do governo iam para estas empresas, criando um círculo de geração de empregos e novas tecnologias ao país na época. Uma das partes restantes dos impostos ia para investimentos na educação de líderes e professores em escolas de prestígio fora da Coreia do Sul como Harvard, Yale, Universidade de Cambridge e etc. Desta forma, a ideia a longo prazo era melhorar a indústria de tecnologia e ao mesmo tempo a educação para o país criar uma mão de obra capacitada aos empregos que seriam gerados.
Neste sentido, Park Chun-hee foi um visionário e seu plano funcionou. Hoje, a Coreia do Sul é uma das maiores economias do mundo, exemplo no setor de educação e influente na cultura pop com música e cosméticos. Entretanto, ele foi se tornando um líder cada vez mais autoritário e anunciou que seu governo seria vitalício, causando seu assassinato em 1979. Fiz este resumo de história para contextualizar um dos maiores problemas atuais da Coreia do Sul: desde 2007, o suicídio é maior causa de morte no país entre os jovens de 9 a 24 anos.
Existe um dia que um dos países mais tecnológicos do mundo entra em silêncio, o dia do vestibular da Coreia do Sul. Como um ENEM, é uma prova única que determina basicamente se você tem algum futuro em uma das empresas chaebols ou não. O capital de sucesso social para eles é estudar em uma das escolas do grupo “SKY” (Seoul University, Korea University e Yonsei University) para que você tenha alguma remota chance de virar um diretor ou vice-presidente destas empresas. Relembrando: estas empresas são familiares e com muito lobby no governo, então ainda há muito nepotismo envolvido.
Desde pequenos, os estudantes sul-coreanos estão acostumados a ficar na escola ou aulas de reforço das 6 da manhã às 10 da noite. Além das matérias básicas como matemática e geografia, os alunos devem ser proficientes em algum instrumento, esporte, inglês e manter uma aparência física de acordo com o padrão. Empresas sul-coreanas exigem foto 3×4 junto com o currículo e é tão forte esta questão, que existem estúdios focados para este tipo de tratamento de foto. Você pode estar se perguntando: mas precisa exigir todas essas altas expectativas de uma criança?
Acho que nesse quesito é importante ressaltar um aspecto cultural importante da Coreia do Sul, o confucionismo. Ele enfatiza o trabalho árduo, diligência e uma atitude reverencial para a educação, dado que tais traços são os maiores meios aceitáveis de crescimento na carreira em um sistema hierárquico. Este é um código de ética, onde a hierarquia é o núcleo dos relacionamentos humanos entre gerações. Em outras palavras, a Coreia do Sul precisava de capital humano qualificado e já tinha as raízes culturais hierárquicas para atingir isso. Se alguém superior a você como pais e chefes te disseram algo, você abaixa a cabeça e faz.
Principalmente em um cenário pós-guerra, onde sua família passa fome, você respeita as decisões impostas pelo governo sem questionamento.
Contudo, a geração de capital humano cada vez mais qualificado em um país altamente tecnológico com acesso ao mundo tudo, fez as novas gerações repensarem no sentido de suas vidas e porque seguir aquele padrão. “Por que eu devo estudar 12 horas por dia, tentar entrar uma universidade SKY, para depois tentar trabalhar na Samsung em uma rotina diária extensa, sendo que eu talvez nunca nem consiga atingir um cargo alto já que a família domina tudo?”. Ou, “Por que eu devo tentar algo diferente como ser empreendedor sendo que os chaebols dominam o mercado e o governo, então vão me engolir eventualmente?”.
Sem explicações de propósitos em suas vidas, os jovens sul-coreanos se sentem pressionados pelo prestígio que sempre devem ser para suas famílias e amigos. Em 2018, 13.670 pessoas cometeram suicídio na Coreia do Sul. Isso é uma média de 37,5 suicídios por dia e diferente dos outros 35 países da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) na última década, a taxa de suicídio da Coreia do Sul continua a crescer. “Eu tinha 13 anos quando conhece um amigo que quis cometer suicídio por causa dos estudos. A educação que eu queria era de como eu devo me amar – e não me matar. Aprender juntos – não competir juntos. Espero que ninguém tenha que perder sua própria vida por causa do vestibular.” – Estudante Jaehyun Jung, de 17 anos no estudo “Equação da Geração Z” da WGSN.
Se você leu meu texto sobre o BTS, sabe que uma das razões do fenômeno global deles é a abertura deles sobre vulnerabilidade, uma mensagem pouco falada na Coreia do Sul e no mundo. As opiniões sobre o governo de Park Chun-Hee e sobre os chaebols hoje, são muito complexas. Existiu um contexto onde a mensagem funcionou, mas que hoje não é mais fluida com os valores e propósitos das gerações Y, Z e Alpha. Espero que meus textos deste mês tenham mostrado um pouco como não estamos sozinhos e a depressão e ansiedade estão presentes no mundo tudo. Parar, sentar e refletir, achar que hoje não faz sentido é normal. Respire e busque ajuda e/ou algo que cuide de você em sua rotina.
***Se você ver alguém que precisa de ajuda, o telefone 188 fornece apoio para quem precisa conversar ao cogitar cometer suicídio. Ele vale em todo território nacional, compartilhe essa informação e ajude outros a pedirem ajuda.
Playlist “Bom Dia!” pra dar um gás nos dias que você se sentir um pouco pra baixo ou estiver feliz mesmo e ficar mais ainda:
Coreia do Sul tem a maior taxa de suicídio nos países da OECD entre 2014 e 2017: https:// data.oecd.org/healthstat/suicide-rates.htm
Cancer still No. 1 cause of death in Korea: http://www.koreatimes.co.kr/www/nation/ 2019/09/119_276066.html
Equação da Geração Z: https://www.wgsn.com/assets/marketing/toprightbox_assets/images/ Gen_Z_Equation.pdf