PARASITA MOSTRA REALIDADE NÃO COMENTADA DA COREIA DO SUL…AHN? por Camila Jin Ahn

(NÃO CONTÉM SPOILERS) Quando eu tinha uns 15 anos, minha mãe falou para mim: você tem que assistir esse filme chamado “O Hospedeiro”. Perguntei por que eu deveria assisti-lo e minha mãe só falou que era um filme cult coreano e o diretor era muito famoso, então como uma coreana, eu tinha o dever de ver o filme. O diretor no caso era Bong Joon Ho, conhecido globalmente hoje por “Parasita”.

Confesso que nunca pensei em ir ao cinema para assistir um filme coreano, principalmente no Brasil. Era algo meio surreal que nunca tinha cogitado e eu sabia que acabaria assistindo em alguma plataforma de streaming de TV/cinema coreano que eu assino. Quando cheguei no cinema no dia 23 de dezembro – pré-natal – e vi a sala lotada, fiquei muito impressionada e com expectativas mais altas ainda. O filme é ótimo, mas alguma coisa na hora não deixava definir minha opinião concreta sobre ele e vou tentar explicar aqui o por quê.

Resumo do Google sobre Parasita: lançado em 2019, filme sul-coreano sobre uma família de classe baixa que consegue se infiltrar em uma casa e uma família de classe alta para tentar fugir de sua má situação financeira. Entretanto, eles começam a entender que não é tão fácil esconder suas mentiras e segredos dos patrões ricos.

A primeira vez que escutei de Parasita, foi por volta de maio de 2019 porque ele foi o primeiro filme sul-coreano a ganhar o prêmio Palme d’Or (Palma de Ouro) do festival de Cannes. Após a exibição de Parasita no festival, o filme foi ovacionado por cinco minutos pelos presentes na sessão e sua popularidade começou a crescer de forma exponencial. Como Cannes é uma premiação mais específica, eu fiquei muito feliz que um filme sul-coreano conquistou este enorme prêmio, mas ainda não imaginava na época que ele fosse conquistar um apelo mais pop.

 

Ator Song Kang Ho e diretor Bong Joon Ho com o prêmio Palme d’Or. Fonte: insidehook.com

 

Após Cannes, alguns colegas de trabalho e amigos começaram a me abordar sobre o filme, mas como mencionei antes, eu pensei: ah, eu vejo depois no meu Netflix coreano. Foi quando o filme foi nomeado ao Globo de Ouro em diversas categorias além da de filme estrangeiro que eu fiquei intrigada e resolvi ir (atrasada) ao cinema assistir Parasita. Conhecia todos os atores de várias novelas coreanas que vi no passado e sempre fui fã do ator Song Kang Ho nos filmes de Bong. Não preciso expressar quão boa é a atuação de todos no filme, acredito que isso é unânime e não esperava menos do elenco por todos serem muito famosos na Coreia do Sul.

Como já tinha assistido os filmes famosos do diretor como O Hospedeiro, Okja, Snowpiercer (Expresso do Amanhã) e Mother, não me surpreendeu a evolução de Bong Joon Ho e sua equipe nesse filme com um roteiro tão bem amarrado e todo o cuidado com os cenários e os ângulos das câmeras nos atores. No começo do filme, quando o personagem Ki-Woo, interpretado por Choi Woo Shik, está procurando por algum wi-fi de graça para usar em sua casa, o ângulo da câmera está um pouco acima do ator, deixando-o menor e com aspecto mais fraco fisicamente.

 

Cena do Personagem Ki-Woo.
Fonte: CJ Entertainment

 

Apesar de todos os aspectos super positivos de Parasita, quando eu saí do cinema eu só fiquei pensando: mas por que esse filme cresceu tanto em um aspecto global? Nem na Coreia do Sul ele foi tão comentado assim. Hoje, ele é mais comentado em seu país natal pela magnitude global conquistada do que pelo filme em si. Para se ter uma noção, ele foi o filme coreano que teve a maior bilheteria mundial da história do cinema da Coreia do Sul, mas no seu país natal, ele é o terceiro maior. Claro, é longe de não ser um sucesso, o que quero ressaltar é que para os sul-coreanos o filme não foi tão fora do comum.

Como eu mesma já esperava do elenco e do diretor, a maioria dos sul-coreanos sabia que o filme ia ser bom de qualquer maneira. Quando saí do cinema, falei com o meu pai e ele disse: nada inesperado. Falando com outros amigos coreanos daqui, senti a mesma reação de muitos e conversando com eles, entendi que o filme mostra algo que as pessoas fora da Coreia do Sul não estão acostumadas a ver: a diferença de classes sociais do país e o tom cômico-trágico coreano. 

Apesar de ser um cenário proposital escolhido pela equipe do diretor para ilustrar que a família está “quase no fundo do poço, mas não ainda 100%”, a casa da família de Ki-Taek meio subterrânea e meio na rua, é uma casa muito comum na Coreia do Sul. Todos os trabalhos informais como a montagem de caixas de pizzas também são desafios passados por famílias de classes mais baixas diariamente. Para um país aclamado mundialmente pela Samsung, pelo BTS, pelo K-Beauty e todo o sucesso financeiro rapidamente conquistado, é muito diferente essa realidade do país demonstrada no filme para quem não vive lá.

 

No pôster do filme, nota-se que a família da classe mais alta está no meio em destaque.
Fonte: CJ Entertainment

 

Outro aspecto tratado no filme de forma até que sutil, é o jogo de equilíbrio do pai rico entre ser amoroso e machista. Em vários momentos do filme, ele fala abertamente como sua mulher não é apta e boa o suficiente para cuidar da casa. Além disso, é nítida a preocupação da mãe rica de como ele ficará bravo caso ela não encontre os melhores professores particulares para os seus filhos. Pelo trailer e o começo do filme, você até pensa que ele é um marido muito bravo e um pai ausente, mas ao longo do enredo nota-se como ele demonstra até mais amor e carinho que muitos outros personagens similares em novelas e filmes orientais.

Estes detalhes do filme e o tipo de comédia é algo que os sul-coreanos estão um pouco mais acostumados e foi o que diferenciou Parasita para o público internacional. Não me levem a mal neste texto, gostamos e muito do filme, foi só algo que nos impressionou muito mais a recepção dos outros países do que o filme em si. E claro, como bons patriotas, estamos aqui na torcida desse momento histórico do cinema coreano no Oscar. Além da categoria de Filme Estrangeiro, Parasita concorre a um total de 6 categorias diferentes, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme. Apesar das baixas chances de realmente ganhar um Oscar de Melhor Filme, é incrível presenciar um filme da Coreia do Sul competir com filmes de Quentin Tarantino e Martin Scorsese.

Como brasileira-coreana, eu fico muito feliz de ver a barreira de Hollywood sendo quebrada por outros países que não falam inglês para que todos tenham a oportunidade de ter suas culturas e realidades representadas no cinema. Quando Parasita ganhou recentemente o prêmio Globo de Ouro na categoria de Filme Estrangeiro, Bong Joon Ho disse em seu discurso: “Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conhecerão muitos filmes incríveis”. Os americanos dominam o mercado da TV e do cinema e são conhecidos por não serem muito fãs de filmes com legendas.

 

Jang Hye Jin, Bong Joon Ho e Song Kang Ho com o prêmio Globo de Ouro.
Fonte: LATimes.com

 

Caso você seja um dos fãs de Parasita e gostaria de ver mais do filme, aguarde que a HBO já anunciou uma série do filme com Bons Joon Ho. Os detalhes ainda estão sendo discutidos, mas o diretor acredita que a série será uma expansão do filme. Caso você não tenho visto o filme ainda, ele ainda está em alguns cinemas pelo Brasil e já começou a sair em plataformas online para compra ou aluguel. Ficamos aqui na torcida até o dia 9 de fevereiro, quando a Coreia do Sul pode conquistar seu primeiro Oscar!

Como de costume quando falo de filmes na coluna, deixo aqui a trilha sonora de Parasita:

PARASITA MOSTRA REALIDADE NÃO COMENTADA DA COREIA DO SUL…AHN? por Camila Jin Ahn

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