Quase 10 anos atrás quando eu fiz intercâmbio na Coreia do Sul, estava na balada com meu drinkzinho, quando de repente começa a tocar uma música em português. Um pouco alterada, comecei a prestar atenção e vi que era “Ai Se Eu Te Pego” do Michel Teló. Nesse hora pensei: pronto, já vi tudo. Daí volto uns meses depois para o Brasil e numa balada escuto “Gangnam Style” do PSY. Desde então, decidi não achar mais que “já vi tudo” e esse Oscar de domingo só provou mais essas minhas experiências com a Coreia.
Meu primeiro texto do ano foi sobre o filme Parasita e como ele mostrava um lado sul-coreano não muito abordado de humor trágico e desigualdade social. Entre a data do meu texto e os quatro Oscars ganhos neste último domingo, Parasita conquistou inúmeros prêmios, incluindo quatro premiações no BAFTA (tipo o Oscar da Inglaterra) e o prêmio de melhor elenco no SAG Awards, premiação americana focada na atuação em filmes e na TV.
Eu não quero que isso aqui seja mais um texto de como Parasita conquistou todos os Oscars e questão de representatividade, etc. Tudo super válido e fico muito feliz do país da minha família ter feito história, mas você já deve ter lido tudo isso em vários posts essa semana. Quero aproveitar o gancho para relembrarmos alguns marcos que a cultura pop coreana conseguiu seu espaço na cultura pop mundial e descobrirmos: onde essas pessoas estão agora?
Para finalizar a parte de Parasita, o elenco todo já voltou a Coreia do Sul e foi recebido por muitos jornalistas enlouquecidos em escutar um pouco da experiência dos atores. Eles mencionam que o diretor Bong Joon Ho permaneceu nos Estados Unidos para mais eventos de mídia e imprensa pós Oscar. O diretor disse que a série de Parasita da HBO está em andamento e recentemente houve rumores de que Mark Ruffalo pode fazer parte do elenco. Além disso, muitos de Hollywood apreciaram o trabalho de Bong e diversas celebridades, diretores e produtores demonstraram interesse em trabalhar um dia com ele.
Da mesma forma que Parasita fez história com o primeiro Oscar de Melhor Filme, o clipe da música Gangnam Style do cantor sul-coreano PSY foi o primeiro vídeo no YouTube a conquistar 1 bilhão de visualizações. Na época, PSY fazia parte da produtora YG Entertainment, a mesma de grupos grandes como Blackpink e Big Bang, ambos que xsjá foram incluídos no lineup do Coachella, festival anual de música da California. Em 2019, o cantor fundou sua própria produtora chamada P Nation. Entre as celebridades assinadas pela produtora, está Hyuna, ex-membro do grupo 4Minute e a par de PSY no clipe icônico de Gangnam Style. Apesar de conseguir alguns outros recordes após seu sucesso com uma única música, PSY não manteve sua magnitude internacional, mas é muito agradecido por todas as oportunidades que teve durante a divulgação de Gangnam Style.
Ele foi o primeiro artista sul-coreano a se apresentar em diversos programas mundiais incluindo The X Factor, EMA (Europe Music Awards) da MTV e o AMA (American Music Awards) de 2012, onde BTS foi o segundo ato da Coreia do Sul a conquistar o mesmo palco. Muitos da Coreia do Sul enxergam PSY como um divisor de águas entre o Kpop e os países ocidentais. Nesta época, Kpop já era muito popular na Ásia, mas tinha muita dificuldade de penetrar o mercado não-oriental.
Ao longo dos anos, vários grupos de Kpop foram conseguindo conquistar sua base de fãs global e muitas produtoras realizaram shows conjuntos de seus grupos fora da Ásia com platéias lotadas. Eis que por volta de 2017, chega o grupo BTS com uma mensagem de autoreflexão e auto-amor que conquista uma base de fãs gigantescas chamada Army. Em um dos meus primeiros textos aqui do Reclame, resumo a história do sucesso desses sete meninos, incluindo um discurso na Assembleia Geral da ONU.
Como PSY, o BTS foi o primeiro grupo da Coreia do Sul a estrear em vários programas e premiações mundiais. Em janeiro, eles foram os primeiros artistas do país a se apresentarem no palco do Grammys, ao lado de Lil Nas X, Billy Ray Cyrus e Diplo. De acordo com a Forbes, o BTS é responsável por 4,7 bilhões de dólares do PIB da Coreia do Sul de cerca de 1,5 trilhão de dólares. Isso significa que 0,3% do PIB do país é resultado do sucesso do grupo. Estima-se que 1 a cada 13 turistas na Coreia do Sul são influenciados a visitar o país por causa do BTS.
Depois de um hiato merecido no final de 2019, o grupo recentemente anunciou sua nova turnê mundial de 2020, onde a maioria dos shows já estão com ingressos esgotados. Seu novo álbum “Map Of The Soul: 7” com lançamento previsto no próximo dia 21, possui já cerca de 4 milhões de reservas globais e este número cresce a cada dia. Uma curiosidade sobre álbuns na Coreia do Sul: eles raramente tem aquele formato clássico quadrado de capa de CD. Este alto volume de pessoas reservando o álbum se deve a experiência que eles prometem. Além de formatos diferentes (já vi triângulo, retângulo, círculo…), geralmente os álbuns possuem pôsteres, adesivos, autógrafos ou qualquer tipo de mimo extra aos fãs. Por isso, neste mundo do Spotify, o BTS consegue um alto número de reservas de pedidos de um CD literalmente físico.
Como último tópico, precisamos falar de futebol e como o brasileiro já vibrou pela Coreia do Sul e a seleção do país não nos decepcionou. Além da vitória contra a Alemanha na última Copa do Mundo de 2018, que ajudou a eliminar o país da competição, um jogador sul-coreano nos deu um gostinho a mais em 2017. Maradona havia sido convidado pela Fifa para participar do evento que definia as chaves do Mundial na Coreia do Sul. Ao notar que no sorteio, a Argentina caiu no mesmo grupo dos sul-coreanos, Maradona comemorou a suposta sorte:
Mal ele esperava uma vitória da Coreia do Sul de 2×1 contra a Argentina, onde após o gol o jogador Seung-Ho Paik provocou Maradona em nossas telas com um gesto: “Cadê o papel”? Nossa querida internet obviamente não perdeu a oportunidade e ambos viraram memes globais para nossa felicidade brasileira. Paik passou por alguns times europeus e hoje joga no time alemão Darmstadt 98 e é esperado em Catar na próxima Copa do Mundo de 2022.
Brincadeiras a parte de vários momentos deste texto, achei relevante relembrarmos todos esses momentos que a Coreia do Sul conseguiu se destacar além do quesito tecnologia e educação. Mais do que só uma questão de representatividade cultural que abre portas a outros países em todas essas premiações que mencionei acima, essa maior abertura da Coreia do Sul para o mundo também pode ajudar o próprio país a ser mais tolerante. Esta exposição global que Parasita e BTS trouxeram aos sul-coreanos, pode trazer um pouco menos de resistência a padronização social exigida pela norma cultural do país.
E para terminar, preciso falar como o diretor de Parasita, Bong Joon Ho, nos conquistou com suas expressões muito espontâneas e meigas! Fecho o texto nesta sexta-feira com dois memes do diretor, um deles especial para nosso final de semana que menciona seu discurso no Oscars: Estou pronto para beber hoje à noite!
Dessa vez deixo uma playlist feita por mim, algumas músicas de Kpop que escutei nos últimos anos: